Obesidade Infantil

A obesidade, conceitualmente, é uma enfermidade crônica que se caracteriza pelo acúmulo excessivo de tecido gorduroso com comprometimento da saúde e está dentro do grupo das doenças crônicas não transmissíveis, caracterizadas por serem doenças com história natural prolongada, múltiplos fatores de risco, interação de fatores etiológicos desconhecidos, entre outros (PINHEIRO et al. 2004). Este excesso de tecido gorduroso é resultante da ação de fatores ambientais, como por exemplo: hábitos alimentares inadequados, atividade física insuficiente e condição psicológica sobre indivíduos geneticamente predispostos (CUPPARI 2002; VITOLO 2003; FISBERG 2004; PINHEIRO et al. 2004).
Esta patologia está presente nas diferentes faixas econômicas, as quais influenciam a obesidade por meio da educação, da renda e da ocupação, resultando em padrões comportamentais específicos que afetam a ingestão calórica, o gasto energético e a taxa de metabolismo (MELLO et al. 2004a).
Na infância, alguns fatores são determinantes para o estabelecimento da obesidade como aumento desmedido do ganho gestacional, desmame precoce, introdução inadequada da alimentação complementar no processo de desmame, emprego de fórmulas lácteas preparadas com excessivo conteúdo de farináceos, inadequação da relação familiar, o hábito de não tomar café da manhã, ingerir em grandes porções uma variedade limitada de alimentos/preparações, consumo em excesso de líquidos leves muito calóricos (como refrigerantes e sucos artificiais) (FISBERG 2004; MELLO et al. 2004a). No entanto, o aleitamento materno exclusivo parece ter um efeito protetor contra obesidade infantil (MELLO et al. 2004a).
A hipótese de que o aleitamento materno teria um efeito protetor contra a obesidade não é recente. Contudo, resultados controversos têm sido encontrados, e o tema permanece extremamente atual, principalmente frente ao importante aumento que vem sendo observado na prevalência da obesidade (BALABAN e SILVA, 2004).
Estudos epidemiológicos e estudos experimentais com animais têm sugerido que as primeiras experiências nutricionais do indivíduo podem afetar sua susceptibilidade para doenças crônicas na idade adulta, tais como obesidade, hipertensão, doença cardiovascular e diabetes tipo 2; isso tem recebido a denominação de imprinting metabólico. Trata-se de um fenômeno através do qual uma experiência nutricional precoce, atuando durante um período crítico e específico do desenvolvimento, acarretaria em um efeito duradouro, persistente ao longo da vida do indivíduo, predispondo a determinadas doenças, entre elas a obesidade (BALABAN e SILVA, 2004).
A hipótese de que o aleitamento materno teria um efeito protetor contra a obesidade apresenta evidências epidemiológicas a seu favor, bem como plausibilidade biológica. Contudo, dados da literatura científica ainda permanecem controversos. O aleitamento materno envolve diversos aspectos, entre eles: a quantidade de alimento ingerido, a composição desse alimento, a época de introdução de alimentos sólidos, o desenvolvimento dos mecanismos regulatórios da ingestão alimentar, assim como aspectos comportamentais associados à relação mãe-filho e à formação do hábito alimentar (BALABAN e SILVA, 2004).
Os fatores familiares são os mais importantes pela soma da influência genética aos fatores ambientais. Antecedentes familiares são comumente encontrados em crianças obesas, sendo mais predominante a obesidade na mãe e na família materna. Estudos mostram que a chance de uma criança obesa chegar à vida adulta como obesa é de 16%. Quando um dos genitores é obeso, esta chance se eleva para 40% e quando os dois são obesos, a chance duplica para 80% (VITOLO 2003; FISBERG 2004). E mais, cerca de 50% das crianças obesas aos 6 meses de idade, e 80% das crianças obesas aos 5 anos de idade permanecerão obesas ao longo da vida (ABRANTES et al. 2002). Isto porque, além dos fatores genéticos, fortes evidências sugerem que os hábitos de atividade física e alimentares das crianças são moldados desde o início do convívio familiar, sendo que as práticas da família afetam permanentemente no comportamento da criança (HILL e TROWBRIDGE 1998; BALABAN e SILVA, 2004).
Apesar de crianças apesentarem menos doenças relacionadas à obesidade que adultos, alguns estudos já evidenciaram a presença de fatores de risco para doenças coronarianas, aterosclerose, gota e artrite, hiperlipidemias, hiperinsulinemia, hipertensão arterial e alguns tipos de câncer. Várias pesquisas já demonstraram aumento dos níveis de colesterol total e LDL e baixos níveis de HDL em crianças e adolescentes. A hiperinsulinemia promove alterações lipídicas e no metabolismo da glicose, acarretando em hiperlipidemias aterogênicas, diabetes tipo 2 e doenças cardiovasculares (COLE et al. 2000; ABRANTES et al. 2002; OLIVEIRA e FISBERG 2003; VITOLO 2003; MELLO et al. 2004a).
A obesidade na infância também está associada a alterações posturais e funcionais que, juntamente com o excesso de peso, geram sobrecarga regional ou global, favorecendo o aparecimento de complicações ortopédicas (VITOLO 2003).
Outro problema importante é o impacto que este excesso de peso promove no equilíbrio emocional das crianças. Há preconceito contra as pessoas obesas, que culturalmente são consideradas responsáveis por esta condição, por serem fracas e sem força de vontade, levando à baixa auto-estima, afetando a performance escolar e os relacionamentos (ABRANTES et al. 2002; VITOLO 2003).
Conforme explicado anteriormente, o aparecimento de distúrbios nutricionais na infância, como a obesidade, estão relacionados à ingestão energética, com desequilíbrio entre atividade física e ingestão alimentar. Essa doença está cada vez mais freqüente entre crianças e adolescentes, pois as pessoas dessas faixas etárias da geração atual são, provavelmente, as mais sedentárias de toda a história, pois a prática de exercícios físicos diminuiu drasticamente em substituição a longas horas do dia em frente à televisão e jogos no computador e videogame; e suas dietas estão cada vez mais desequilibradas com as necessidades nutricionais de seus organismos, favorecendo assim para o ganho de peso excessivo (HILL e TROWBRIDGE 1998; VITOLO 2003; MELLO et al. 2004a; OLIVEIRA e FISBERG 2004).
Portanto, o melhor para a saúde de nossas crianças é prevenir o ganho de peso excessivo. Para isso, medidas simples, mas extremamente importantes são fundamentais: amamentar exclusivamente com leite materno até 4-6 meses de idade, realizar adequadamente o desmame e, ao longo de toda a infância e adolescência (e toda a vida), incentivar a prática de atividade física e proporcionar uma alimentação equilibrada e adequada a cada faixa etária.

Texto elaborado pela Equipe Nutrival
(Junho 2006)

Fontes:

Abrantes MM, Lamounier JA, Colosimo EA. Prevalência de sobrepeso e obesidade em crianças e adolescentes das regiões Sudeste e Nordeste. Jornal de Pediatria 2002; 78(4): 335-340.

Balaban G, Silva GAP. Efeito protetor do aleitamento materno contra a obesidade infantil. Jornal de Pediatria 2004; 80(1): 7-16.

Cole TJ, Bellizzi MC, Flegal KM, Dietz WH. Establishing a standard definition for child overweight and obesity worldwide: international survey. BMJ 2000; 320: 1240-1245.

Cuppari L. Guia de nutrição: nutrição clínica no adulto. Barueri: Manole, 2002.

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Fisberg M. Atualização em obesidade na infância e adolescência. São Paulo: Atheneu, 2004.

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Oliveira CL, Fisberg M. Obesidade na infância e na adolescência – uma verdadeira epidemia. Arq Bras Endocrinol Metab 2003; 47(2): 107-108.

Pinheiro ARO, Freitas SFT, Corso ACT. Uma abordagem epidemiológica da obesidade. Rev. Nutr 2004; 17(4): 523-533.

Vitolo MR. Nutrição da gestação à adolescência. Rio de Janeiro: Ed. Reichmann & Affonso; 2003.